Por Elóy Simões
Quando ele passou correndo, a Alessandra Turnes, minha colega do SIC, perguntou:
“Por que você não entrevista ele?”
Eu ia entrevistar mesmo. Minha chefe, a implacável Cilene, já havia determinado. Mas a observação da Alessandra me deixou mais interessado ainda, principalmente quando ela acrescentou:
“Ele vive correndo pra lá e pra cá. Não se cansa nunca!”.
Ele é André Oliveira dos Santos, 28 anos, gaúcho de Porto Alegre, acadêmico da quinta fase do curso de Educação Física e Esporte da Unisul.
“Resido, trabalho, estudo e treino em Palhoça desde o primeiro semestre de 2007 quando comecei na faculdade aqui na Pedra Branca”, disse-me, entre uma carreira e outra. E explicou:
“Profissionalmente estou me transferindo da área de esporte da Unisul – onde era responsável pelas demandas do Centro Esportivo Pedra Branca durante dois anos – para atuar junto ao Setor de Eventos do Campus Norte, assumindo assim um novo e motivador desafio.”
Foi uma das mais demoradas entrevistas que já fiz, porque o André não parava quieto. Falava um pouco comigo, disparava até não sei onde, voltava, falava, às vezes um pouquinho, às vezes bastante. E nem me dava tempo de perguntar. Simplesmente dizia o que lhe passava pela cabeça. Como agora:
“Minha iniciação profissional com registro em CTPS ocorreu quando tinha dezesseis anos em uma empresa de materiais hospitalares e medicamentos – embora já ajudasse meu pai em seus trabalhos desde criança. Segui trabalhando no ramo de medicamentos durante quase dez anos atuando em diversas áreas, da logística às vendas.”
(É incrível que aquele atleta tenha sido um profissional de vendas, pensei)
“A mudança profissional veio com o desejo de estudar e trabalhar na área da Educação Física. Esse desejo fez com que tivesse que tomar decisões importantes, principalmente quanto à parte financeira, visto que estava num mercado já consolidado e com boas oportunidades financeiras e iria para um mercado novo e sem experiência, ou seja, teria que iniciar uma nova carreira.”
Correu vinte metros, deu meia volta e completou:
“Antes que você pergunte” (como se ele me desse tempo de perguntar), “vou respondendo: a grande mudança na minha vida profissional veio quando iniciei meu trabalho na extinta Gerência de Esporte na Unisul, após ter realizado três meses de estágio e passar pelo processo seletivo instituído pela universidade. Nessa ocasião pude acompanhar e participar da gestão esportiva da Unisul, o que me trouxe grande interesse pela área, aliando a teoria e o conhecimento adquirido no curso de Educação Física e esporte à prática na execução da função.”
Quando ele tomou fôlego para continuar, pedi: fale sobre suas experiências pessoais.
“As experiências pessoais, que acredito serem diversas, começaram quando mudei, juntamente com minha família, do Rio Grande do Sul para o norte do país. Na época, Estado de Goiás, hoje Tocantins. Eu tinha cinco anos de idade”.
“Ter passado minha infância – dos cinco aos onze anos – em uma região totalmente diferente em todos os aspectos da que vivia anteriormente e vivo hoje, acredito ter sido fundamental para minha formação e principalmente para os valores que constituem minha personalidade e caráter. Retornei ao Rio Grande do Sul e lá fiquei por mais treze anos.”
“Durante esse período estive competindo ou visitando algumas cidades pelo Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Belo Horizonte, Florianópolis) e aproveitei para analisar as condições de vida em cada uma delas, pois já pensava em mudar para alguma região que tivesse litoral próximo. Dentre as opções que tinha escolhi Palhoça e a Unisul para ser minha casa.”
“Recentemente estive nos EUA e tive a oportunidade de conhecer mais uma sociedade com costumes e cultura diferentes da que estamos acostumados.”
Enquanto ele deu outro pique, chequei o gravador, porque daquele jeito eu não ia conseguir guardar nada de memória. Foi a minha salvação, porque na volta ele disparou novamente:
“O esporte sempre foi minha atividade preferida. Hoje vejo o esporte como uma ferramenta que pode e deve ser utilizada em todas as esferas (política, social, educacional) para formação e desenvolvimento de indivíduos íntegros e saudáveis em fatores físicos e emocionais.”
“No meu caso, o esporte me faz ter motivação e determinação para ultrapassar todos os obstáculos que possam surgir, tanto nos aspectos profissionais, acadêmicos e pessoais como na própria modalidade que pratico.”
Aí, ele respondeu uma pergunta antes que eu a fizesse:
“Geralmente as pessoas indagam: “Como você consegue treinar e competir mesmo trabalhando e estudando?” E respondo o que sinto realmente: Eu consigo trabalhar, estudar e treinar porque todo o “stress” e preocupações gerados na rotina do dia-a-dia são “processados” durante os treinamentos com estímulos físicos e fisiológicos que o nosso corpo produz durante a atividade física.”
“Logicamente que para o rendimento e busca por resultados esportivos, os compromissos que tenho acabam por limitar minha condição competitiva, mas é algo que temos que lidar diariamente, nossas limitações e condições individuais e não somente no esporte isso acontece.”
Ele se sentou para tomar uma água, eu aproveitei: por que você escolheu o curso de Educação Física? A resposta:
“A escolha pelo curso foi motivada pela paixão pelo esporte. Quando iniciei a primeira vez no curso, ainda no Rio Grande do Sul, estava em duvida entre a educação física e o curso de direito. Tenho alguns familiares que atuam na área do direito e que sempre me incentivaram a optar por ela, mas a afinidade com o esporte prevaleceu naquele momento.”
“Infelizmente naquela ocasião não pude dar segmento nos estudos por questões financeiras, pois estudava em uma instituição particular. A educação física sempre me atraiu por ser uma área ampla, que atua em diversas frentes. Além disso, das áreas da saúde é uma das que trata com mais propriedade a prevenção a problemas de saúde e não somente da cura; a educação física provoca mudanças e alterações importantes na qualidade de vida dos indivíduos.”
Agora ele me pareceu ter feito uma pausa no exercício. Aproveitei novamente e perguntei: por que na Unisul?
“A opção pela Unisul veio logo após uma visita casual à unidade Pedra Branca no meio do ano de 2006, quando acompanhei uma prima durante a apresentação de um trabalho do curso de Psicologia. Fiquei impressionado com a estrutura esportiva que estava sendo construída (Centro Esportivo e Complexo Aquático) naquele momento.”
“Conversei com algumas pessoas que circulavam para saber mais sobre as instalações e projetos desenvolvidos. As informações que obtive me fizeram ver claramente que haveria naquele local oportunidades, pois estavam iniciando um projeto na área de esporte e precisariam de pessoas qualificadas para fazer parte desse projeto.”
“Então vi que sob todos os aspectos, havia uma oportunidade de mudar de profissão: a vontade de morar perto do litoral, a melhoria da minha qualidade de vida e poder treinar nas instalações e arredores da universidade. Estava traçado o objetivo, mas faltava ainda a condição financeira, pois iria estudar mas ainda não tinha nenhuma garantia de trabalho a curto prazo. Resolvi então fazer o ENEM e pleitear uma bolsa de estudos pelo PROUNI, assim não teria despesas com a faculdade. Assim fiz. E deu certo.”
Duathlon e triathlon são modalidades que sempre intrigaram. O que é isso,vivo me perguntando. Então, perguntei pra ele, e tudo de uma vez:
Essas categorias não exigem demais das pessoas?
Ele me explicou pacientemente:
“Um breve histórico sobre minha vida esportiva. Desde criança fazia atividade física, seja com brincadeiras, andando de bicicleta ou jogando futebol. Depois já na adolescência tentei ser jogador de futebol. Cheguei a jogar nas categorias de base do Internacional mas a necessidade financeira fez com que optasse pelo trabalho logo aos 16 anos. Tinha que conciliar minhas atividades com os estudos, e isso me fez encerrar as chances de ser profissional daquele esporte.”
“Continuei a praticar o futebol esporadicamente com os amigos até entrar na faculdade de educação física em 2003 na Ulbra/RS.”
“Naquele momento a vontade de ser atleta encontrou outra oportunidade. A universidade tinha uma equipe de atletismo e oferecia treinamento para os acadêmicos interessados na modalidade.”
“Comecei para experimentar e fui tomando gosto pela corrida. Fazia provas de 5km, 10km e até meia-maratona. Como os treinamentos de corrida começaram a ficar monótonos, comecei a pedalar e fiz uma prova de duathlon – que é composta por corrida e ciclismo – e gostei muito da dinâmica.”
“Estava aberto o caminho para o duathlon e em seguida o triathlon – natação, ciclismo e corrida. Segui competindo em corridas de rua e nas provas de duathlon, pois a natação se tornava muito difícil de acompanhar em bom nível”.
“Com a vinda para a Unisul em 2007 decidi me dedicar mais intensamente ao duathlon e assim consegui bons resultados que me levaram a integrar a seleção brasileira e disputar os campeonatos mundiais da modalidade em 2008 e 2009.”
“Os objetivos para o futuro são ambiciosos, visto que fui contemplado com apoio do FUNDESPORTE para custear equipamentos e viagens neste ano. Assim irei me dedicar ainda mais ao esporte, principalmente no próximo ano, quando irei em busca de resultados mais expressivos.”
“Realmente a modalidade é bastante desgastante e exige muito dos praticantes. Imagine que se para praticar uma modalidade as pessoas já encontram dificuldades, e duas ou três então?! Mas o que sempre ressalto não é simplesmente o treinamento, mas os fatores que compõem o rendimento esportivo: a alimentação, o descanso e o treinamento. Somente com esses fatores em equilíbrio obteremos o melhor desempenho, seja no nível que for.”
Eu quis saber o que a família dele pensa a respeito dessa prática.
“A relação com meus pais e irmã ficou mais distante devido a minha mudança para Santa Catarina, pois meus pais moram no Rio Grande do Sul e minha irmã em São Paulo. Mas essa distância não diminui o apoio que recebo deles. Minha mãe, inclusive, dentro de suas possibilidades vem me ajudar com as coisas do dia-a-dia principalmente nos momentos mais extremos de preparação para as competições mais importantes. Ano passado minha irmã me acompanhou durante a viagem para a disputa do Campeonato Mundial na Itália. Foi uma experiência muito boa.”
Aí, insisti na pergunta: o que é o Duathlon? Ele foi fundo na resposta:
“Etimologicamente "athlon" significa combate, assim, duathlon significa dois combates (corrida e ciclismo).
O duathlon foi criado na Europa em razão do rigoroso inverno. Como o triathlon é composto por natação, ciclismo e corrida, a modalidade se tornou pouco atrativa por causa das águas geladas do Velho Continente. Por isso alguns atletas resolveram "duplicar" a corrida. Estava criado o duathlon, que une corrida, ciclismo e novamente corrida.
O primeiro campeonato mundial aconteceu em 1995.
No Brasil, a modalidade começou a ser praticada no início dos anos 90, no Rio Grande do Sul, e logo se espalhou por todo o país.
No duathon existem as categorias: Elite (profissionais) e faixas etárias (amadores). As faixas etárias são divididas de cinco em cinco anos para se formar a categoria. A minha categoria atualmente é de 25 a 29 anos.
As distâncias das provas de duathlon oficiais são:
Competições regionais (estaduais):
5km corrida + 20km ciclismo + 2,5km corrida
Competições nacionais e internacionais:
10km corrida + 40km ciclismo + 5km corrida
Ainda existem provas de longa distância que geralmente são disputadas em percursos com o dobro ou mais das distâncias de provas internacionais.”
Que competições que você disputará ainda este ano, eu quis saber:
“Este ano ainda tenho o Campeonato Pan-americano de Duathlon em Cáli, Colômbia, dia 15 de novembro, e o Campeonato Brasileiro de Duathlon, II Etapa em Recife, dias 21 e 22 de novembro”
Ele estava mais relaxado, acho que finalmente cansou. Então, pude perguntar: como é o curso de Educação Física da Unisul?
“O curso da Unisul é totalmente diferenciado dos outros. Além de ter instalações que nenhuma outra universidade no país tem, o principal fator que difere o curso dos demais é o foco e a ênfase dada à gestão do esporte. Isso se nota com muita clareza quando se observa a grade curricular do curso que conta com diversas disciplinas da área, como Gestão estratégica I e II, Gestão financeira, Gestão de pessoas, Organização de eventos, Elaboração e análise de projetos, Marketing esportivo e Modalidades complementares, onde os alunos fazem visitas técnicas para conhecer diversos empreendimentos e negócios do mercado da educação física. Além disso recebem empreendedores que falam sobre suas experiências profissionais.”
Aí, provoquei: se você pudesse, introduziria nele alguma mudança? Qual? Mas ele disfarçou:
“Tenho algumas idéias sobre o assunto, mas prefiro não abordá-lo em uma entrevista. Seria uma discussão muito abrangente e de difícil conclusão definitiva.”
Provoquei de novo: como é, no seu curso, o relacionamento coordenador-professor-aluno? Desta vez ele não deixou de responder:
“Posso falar sobre o relacionamento que tenho com professores e com a coordenação do curso. Desde o princípio tive muita afinidade com todos e o relacionamento melhorou ainda mais após ter assumido o cargo na extinta gerência de esporte, pois passamos a ser colegas e assim todos os professores me trataram.”
“As trocas de idéias e experiências se tornaram cada vez mais freqüentes independente de ser acadêmico ou funcionário da instituição. Também recebi muita atenção e apoio para resolver questões que envolviam minhas ausências devido a viagens para competições. Em síntese, hoje posso dizer com muito orgulho, que mais do que professores, encontrei no curso muitos amigos e profissionais fantásticos que me dão muita inspiração.”
E provoquei outra vez: que sugestões você tem para os estudantes, principalmente para os que estão chegando agora? Ele ficou sério:
“Na verdade o que vou sugerir são pontos que nós trabalhamos na instituição, onde nós acompanhamos os novos alunos e procuramos ajudá-los e inseri-los no ambiente acadêmico de forma genérica. Infelizmente, mesmo com toda a estrutura de instalações e serviços que temos à disposição, algumas totalmente gratuitas, estas ainda não são utilizadas como poderiam ser, e não somente no esporte, em todas as áreas.”
“A questão das oportunidades de estágio, projetos de pesquisa e atividades de extensão também estão abertas a todos os acadêmicos e são realmente oportunidades que mudam e fazem a diferença no currículo e experiência do futuro profissional. A sugestão então é: Procurem e aceitem as oportunidades, experimentem tudo que a universidade tem para lhes oferecer.”
Eu estava gostando do papo e já engatilhava outra pergunta, mas ele foi mais rápido. Olhou o relógio e se desculpou:
“Desculpe, mas tenho aula. Se você quiser, continuamos em outra oportunidade.”
Impossível pra mim. Minha chefe queria, de qualquer maneira, urgência para essa matéria. E você sabe: quem tem juízo...
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